do enigma dos dias já vividos e dos que vierem a ser


Sexta-feira; acordei às sete da manhã tentando organizar meus pensamentos. Preciso viajar, logo mais. Não sei como vai ser, mas sei que passarei seis horas num ônibus. Hoje começa uma rotina de "bate-volta" semanal entre Marília e Campinas, como parte de um lento processo de desmarilização, gradativa, e que vai terminar em setembro. Graças ao bom Jesus, em setembro. Tenho 23 viagens pela frente... Um amigo meu dizia que o nome do meio dele era setembro, por outros motivos. Flávio, meu rapaz, somos parentes então.

Estou lendo tudo que posso. Em dois dias aqui, li mais do que em um mês, lá. Não sabia da diferença que faz uma casa organizada, uma mesa de trabalho cheia e a ausência de fome na confecção de uma mente mais enriquecida. Ter-se o que precisa não significa ter tudo; mas ter tudo o que eu tenho agora significa avanço na vida - mesmo que ele soe (e ecoe) como um retrocesso - até mesmo para mim. Acabo, pois, criando bases pras coisas que aprendi nos discos e livros. 


Mas esse é só o começo. No final das contas, o fim do ano é meu prazo limite. No fim do ano, meu projeto de mestrado terá que estar pronto, meu TCC, devidamente apresentado e pontuado, e as minhas pendências (Lord knows quantas pendências eu tenho) eliminadas com sucesso. Não posso cagar agora.

A vida é uma poesia, um romance grotesco, e em todas as situações, uma marginal Tietê. Poesia pela beleza das paixões, e dos erros acometidos em prol das sensações vividas; romance grotesco daqueles que começam com uma história estranha e fugaz, que do meio para o fim se torna uma tragédia surreal pelo prazer sádico do autor em ver o circo pegando fogo; e a marginal Tietê, que inevitavelmente vai feder - lugar onde fechamos nossos vidros e lançamos um bom ar dentro do carro. E no final temos uma esperança infantil de um efeito deus ex machina que faça alguma coisa miraculosa e completamente incoerente com os fatos - milagres - pela correnteza inóspita que nossas vidas são depois de certo tempo navegando por águas incertas. Nossas vidas não têm conserto, nossas vidas são irreparáveis - e só têm a necessidade de reparo porque esperamos muito mais delas do que elas realmente podem ser. E acordamos de manhã ou viramos o ano esperando e desejando que seja tão melhor do que fatualmente pode ser dada a conjuntura que precede o momento do desejo, que vivemos frustrados e mesquinhos, cegos ao que nos acontece diariamente. 

Tudo isso pra dizer que meu caminho incerto é feito de escolhas, como o é inevitavelmente, e eu acho que fiz uma boa - não a ideal, claro, pois nunca é (mesmo quando é) -, mas uma que me fez me sentir bem e limpinho. E não há nada melhor do que a invariabilidade necessária de uma relação - pelo menos uma -, porque se pode depender inteiramente dela quando o certo deu errado, ou quando se precisa de uma pausa, um pit stop. E eu sei que nada no mundo real (mesmo isso) é tão certo quanto o que sinto do lado de cá. Ora, não tomo como única possibilidade, mas tomo certamente como um botão de pânico, e um trunfo cada vez mais raro. Por enquanto ainda tenho esse botão, e sei que não vou o ter eternamente. Vale-me muito poder utilizá-lo, por enquanto.


Quatro anos e meio... e não me sinto um filósofo; de fato, às vezes me parece que nada mudou. Mas só se pode ver a imagem completa se houver uma visão completa (e externa, portanto, como uma "visão de águia") sobre o contexto, e correlacioná-los com a totalidade dos contextos. Por motivos óbvios de limitação da minha condição, não possuo essa visão; mas com toda certeza, 1) eu expandi minha visão do contexto, e isso me é claro por inúmeras razões, racionais ou sentimentais, que não cabem aqui; 2) hoje, consigo ver a possibilidade lógica dessa visão de águia, e por isso, consigo imaginar um prisma que, apesar de inalcançável para mim, possa existir, e que, nele, eu seja uma pessoa melhor (ou pior), mais sábia (ou mais imbecil) e mais espero (ou mais inocente). Ora, afinal, imaginar uma sala sem gravidade é possível; não quer dizer que a existência dessa sala seja possível de fato (mas é - esse é um péssimo exemplo, mas vá lá...). É uma possibilidade lógica (essa sala), e possibilidades lógicas são passíveis de aplicação em um contexto a fim de um processo analítico, e entender as partes componentes. Abstração é uma coisa bizarra, mas que é o único elemento que me permite me entender um pouco - e escrever tudo isso. 

(Eis um episódio de "demonstração de que eu li alguma coisa na graduação" que eu precisava, em dívida com meu ego, fazer, e que coloquei aqui, público, para demonstrar que, mesmo tendo lido e comparecido às aulas, ainda não me sinto um filósofo; mas, em todo caso, um médico não deve se sentir um médico (ou seja, alguma coisa supostamente diferente ou mais elevada) só porque agora sabe cortar alguém com precisão e graça).

Ora, vamos ver o que acontece até setembro; melhor ainda, vamos ver o que acontece até o fim do ano. Preciso de uma mudança de ares, quem sabe não saio daqui para, de fato, uma vida melhor. Quem sabe o que vai acontecer... Mas, acima de tudo, preciso que venha, e preciso que seja como for, e preciso que seja na hora que for. Quem sabe eu não ache um porto seguro, que me segure, que assegure minha certeza pela década que cabe dentro de dois minutos que seja, que me proteja dos granizos dos invernos inóspitos do norte desconhecido ao mesmo tempo que me esconda da areia nos olhos que os desertos costumam prover sem muito aviso.

Esperar, em todos os sentidos dessa palavra, é um dos grandes problemas da condição humana...

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