das almas e seus tamanhos

Dentre um devaneio e o marasmo de uma noite quente de verão, espero sempre ter alguma resposta que me acalme, me sirva de conforto. Ora, num momento desses, numa dessas noites de fragilidade angustiante, foi trazido à minha atenção que eu deveria escrever mais, e o foi por uma pessoa que sabe o que diz. Por muita coincidência, enquanto ouvia isso, passava pela minha mente o quanto de mim eu sei quando leio o que escrevo. Juntei os dois fatos e estou há pouco mais de uma semana processando mais coisas do que costumei processar desde que me mudei, e de volta aqui estou, pronto para me dizer num futuro incerto como eu me sinto agora. Isso opera milagres, cura feridas... O que mais isso é, se não uma memória de quem sou? Como Chico ouvindo suas próprias músicas libertárias dos sessenta deve se sentir, não sei. Mas, para além de qualquer discurso político (ou não), ele deve saber quem foi para que possa dizer quem é. 

Eu queria fazer disso um hábito, sempre quis. Minha vontade de escrever nunca se voltou àquela que diz o quanto de Platão há em Kant ou do quanto de esparra existe nas palavras de meus confrades filosóficos enquanto versam sobre suas noites sem dormir feitas a tinta. Seus pormenores mentais, daqueles que escrevem sobre os mortos, são perdidos e inócuos, seu trabalho, igual ao de um escriturário acéfalo. E não ousem dizer que não é: eu vi a maçã apodrecer enquanto era uma de suas sementes. Escrever meus pensamentos, forem de que natureza forem, me parece mais atrativo do que isso, e escolheria eles toda vez a trabalhos sem sentido sobre assuntos já batidos redigidos com o puro sentido de justificar bolsas de estudos.

Mas vamos às considerações da ordem do dia. Que eu ainda não sei quais são. 

Primeira que me vem à mente é de que certo estou que se a pessoa que me incentivou, hoje, a escrever venha porventura a ver isso, saberá que é dela que falo; porém, se vir, peço: entenda que faço por mim, por mais ninguém, - sim, minhas memórias, ainda que falem de você, são egoístas, e creio ter razão de fazer com que elas sejam. E, olhe, digo mais: não são egoístas para mim, mas para mim num futuro qualquer, se é que isso faz sentido. Em todo caso, agradeço-lhe infinitamente por fazer isso comigo.Você está aqui, nas memórias dessas palavras de um rapaz, não tão importante para ninguém além de si mesmo e sua mãe, que lentamente envelhece, e lamenta por isso. E que no processo leva consigo um potencial nostálgico equivalente à soma das estrelas do céu que, ao mesmo tempo que nos provam a sensação do infinito, também demonstram o nosso próprio tamanho e valor. E creio que o valor de uma pessoa só é tão grande quanto o valor daquilo que ela permite dentro de si; portanto, existindo somente isso que chamamos de vida, permitindo que você modificasse mesmo que um pouco só a forma que vejo as coisas, meu cotidiano é melhor depois de que você passou a existir para mim, porque é uma grande pessoa. Admirar alguém ou ser inspirado por ela é, para mim, uma das coisas mais valorosas existentes sob as estrelas. 

Contudo, sou realista e um tanto trágico: sua presença é importante como muitas pessoas foram, são e, com base na experiência arrancada com força da repetição, creio que outras ainda serão, principalmente dado o momento e contexto. Também por conta da repetição, pois, sei que sua presença é passageira. A vida é como é.  Mas em momento nenhum seu caráter efêmero minimiza sua importância; no limite, me faz duvidar de algumas certezas que tratam do místico da vida e as suposições a respeito de um possível destino traçado para todos nós. A todo modo, creia, você é importante para mim a um ponto de entrar aqui; o valor é ainda somente para mim, porém, isso é raro.

E esta será a primeira e última vez que direi isso em caráter público. 

Minha segunda consideração leva em consideração o outro lado da moeda. Qual seja: desprezo pequenos homens e mulheres. Os pequenos homenzinhos e mulherezinhas que compõem nossos dias. Sabe, aqueles que encontramos todos os dias? Peguei-me sorrindo sozinho ao pensar na auto-importância que eles têm. 

Pelo argumento que segue, tratemos dos homenzinhos do meu cotidiano.

Veja, depois de me desprender das vias do mundo que não trata da vida real, tornei um homem das médias. Quero dormir mas não consigo, quero emagrecer mas não consigo. Quero me livrar dos maus hábitos e não consigo. Tudo em prol da grande vontade que tenho de querer mais do que já tenho. Um conhecido me disse certa vez sobre suas próprias considerações desta vida: "tenho medo do trabalho do mundo real". Não consigo discordar. Eu mesmo só não encontrei o meu lugar fora dessa vida ainda, e por isso continuo a procurar. Porém, ora, ainda procuro e não ouso deixar de fazê-lo. Mas os homenzinhos vêm com suas pompas e glórias, seus heroísmos chulos e experiências banais mascaradas de grandes feitos, e ridicularizam meus modos de vida. Quem pretendem ser esses homenzinhos? O que pretendem? Será que são capazes de pretender alguma coisa? Se não pretendem, serão esses homenzinhos somente criaturas estúpidas de espírito invariavelmente pendentes à servidão? 

Eles dizem para si mesmos que seus meios são e sempre serão melhores do que qualquer um que se oponha a eles. Homenzinhos absolutistas, eis que são. Esses homens, esses pequenos homens, criam raízes e se vêem importantes a um ponto de perderem a noção do que realmente importa. Homenzinhos de merda. Homenzinhos e mulherezinhas que nos fazem ter a certeza de que o poder de opinião delegado a pessoas incapazes de opinar, não por não poderem fazê-lo mas por não serem hábeis a isso (e assim seguem outras opiniões de homenzinhos mais influentes), é uma desgraça à humanidade. Homenzinhos e mulherezinhas de bem, temo eles. Temo, também, porque são muitos.

Conheço alguns deles, principalmente os homenzinhos. Esses homenzinhos se subjulgam a outros homenzinhos para que estes os dêem prestígio dentro de um castelo de cinzas. Estes homenzinhos não aceitam que estão errados e te olham feio quando provamos que errados estão. E criam ranço por isso. Assim, esses homenzinhos, inquebráveis por argumentos, somente se dobrarão por palavras de um deus inventado que não pode se defender das atrocidades de seus seguidores, nem mesmo dizer mais nada, porque de fato ele nunca disse nada. E assim esses homens, pequenos homens, criam atritos com aqueles outros homens que pensam diferente deles. Com estes, que são, muitas vezes, muito mais sensatos do que eles. Não respeitam opinião divergente e procuram um argumento baixo para justificar que tudo que as opiniões dizem é errado, ainda que não haja o ato de ouvir previamente ao julgamento, mas certamente há o de rechaçar. Os homenzinhos inventam a própria realidade em vez de lidar com a que já existe. 

Os homenzinhos não conseguem enxergar - e isso é o que me fez rir sozinho, hoje! - que são desejados somente porque são previsíveis e chatos, e que sempre estarão ali aos pés de seu algoz lambendo seus sapatos para que eles brilhem, ao passo que dele recebem chibatadas disfarçadas de vanglória.

Estou farto deles.

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