auto-afirmação

Eu sei que alguns escrevem livros, outros que escrevem poemas. Outros escrevem filmes de trens que passam pela Cidade das Luzes. Bom, eu tenho um blog, será que é o suficiente?

Eu não quero e nem acho que gostaria de ser famoso pelo que eu escrevo; ser formador de opinião ou referência em algo suponho que seja mais um peso do que uma satisfação. Em contrapartida, eu preciso escrever. Escrevo sempre, desde que ainda não fazia isso por profissão, e coloco tudo aqui, num buraco que eu cansei de mudar, de olhar, de reconstruir, de apagar, de compartilhar, de pedir por críticas. Isso já foi preto e branco, azul, cinza, roxo com lilás, tinha fotos minhas, aí não tinha mais, tinha citações, aí não tinha mais. Mas sempre teve parte de mim. E eu mudo, mudo como o as coisas mudam comigo. Mudo porque suponho que ninguém se esforça tanto quanto eu para não mudar - e as coisas mudam mais e mais quanto mais você pensa sobre não mudarem.

Se em algum determinado momento dos meus últimos anos eu tivesse qualquer indício fisiológico - daquele que você sente na carne, no estômago, em vez de pensar a respeito - sobre o que eu acho que quero hoje, eu não seria melhor do que eu fui até hoje. Eu acho que eu seria alguém que não passou pelo que passou até hoje para pensar no que eu penso hoje a respeito do que aconteceu nos últimos cinco anos. Ou seja, eu seria o mesmo incoerente que ainda sou. Mas isso tudo é bobagem, é especulação sem qualquer noção. E não falo pelo prazer único de me depreciar (e dizem que não existem universais!) mas principalmente porque a gente não escolhe as águas que passam pelo seu moinho. Mas, indepentemente disso, elas têm de passar. O que elas deixam, no entanto, e assim entendo, é aquilo que achamos que deveria ficar. É uma interação entre iguais, que acham que a vida possui coisas que não mudam, que acreditam no blues, e acreditam num mundo próprio. E por ser interação entre iguais, a regra se aplica. E as dores ficam, por mais que passem e por mais que precisem passar. Elas ficam, pioram em um lado, se melhoram em infinitos muitos. E desacreditam em suas crenças ciclicamente, dependendo do outro para servir de campo de contenção dessa natureza insípida que a gente chama de felicidade necessária.

Mas quando o campo de contenção não existe, e quando os grãos da terra caem sobre sua cabeça, cremos que devemos devolver as tecnologias e separar as vidas por uma placa de madeira. Vivemos de símbolos; o homo faber veio depois do homo pictor. Fazemos símbolos antes de fazermos enxadas e nos esquecemos da compilação engenhosa que somos, a cebola de camadas que somos. E acreditamos na noção rasa das nossas cabeças simbólicas que as nossas enxadas já não dão conta do capim. E jogamos pela janela do quarto andar as frágeis pedras-de-toque que definiriam as próximas semanas e próximos meses e possivelmente os próximos anos de nossas vidas pelo vácuo que seu simbolismo projetou.

Esse texto é um símbolo, antes de mais nada. Sou primitivo? Não sei, minhas grandes narinas dizem que evolutivamente ainda sou desenvolvido para a respiração profunda e eficiente que me permitiria perseguir aquele antílope que alimentaria minha tribo. Minhas maçãs do rosto definem meu rosto rústico, meus dedos, gordos, não expressam grande agilidade manual; antes a força robusta sem precisão. E talvez expressem meu aquecido temperamento, minhas escolhas e meus desejos imaginativos.

Devo ser um homo pictor, devo ter parado no tempo, problemas evolutivos. Um que simboliza e projeta e hipotetiza mais do que deve. E um que precisa de seus desejos e, por isso os afasta quando conquistados. Mas não seríamos nós todos deste modo?

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