A calm calculous of reason.

     
     Se todas as minhas noites fossem iguais a essa que eu estou tendo agora, eu juro que me dava um fim, rápido e indolor. Puxava-me um calibre 38 contra a cabeça e espalhava meus próprios miolos na frente deles. Ou arranjaria uma faca de pesca e abriria um imenso buraco no peito até arrancar fora minhas entranhas. Ou me acertava com um taco de beisebol em cheio na base do crânio. Ou me entochava de ervas medicinais até ver Jésus.

     Passo por alguém incrivelmente mau e mesquinho quando o pai começa a falar, sempre. Ele tem plena convicção de que sou a pessoa mais desprovida de educação que há, e tem o terrível hábito (veja só que ironia) de apontar a escola que me educou pela “culpa” da minha personalidade que ele despreza (sentença na qual tive que me conter, porque ele ainda é o macho fisicamente mais forte nesses 250m² que ele chama de lar), e tem a plena indecência de dizer que “eu posso, você não” ao que se trata de maltratar minha mãe, com essas palavras. Não ligo para quem ele maltrata, não mais - a não ser que me toque de alguma forma, ou que me dá brecha para culpá-lo pela situação.  Manipular palavras e borrões do português do qual ele pouco ou quase nada entende - e que assassina - para poder fazer me sentir um trapo rasgado e sujo de tudo que há de ruim. E funcionou, mais uma vez. É com lágrimas em meus olhos que redijo esta. É com uma dor no coração e com um nó na garganta que declaro que meus progenitores acabaram de perder talvez o melhor (ou único amigo) que já tiveram, simplesmente por um ato de pura crueldade ao qual fui submetido, minutos atrás. Deus, se esse sentimento demorar muito, há de ter sérios side effects. Sabia que tinha de não o fazer nada de favores, sabia que deveria ter ficado em casa. Acho que só aprendo com isso... Mas vou fazer o quê? Montar uma biblioteca com todo esse conhecimento?

     Ajudar-te-ia em todos os casos, pai, ajudar-te-ia. Exemplificar talvez não seja tudo que posso fazer, mas pelo medo e de tanta baba à face que já limpei durante os atos heróicos dele de tentar me impor algo que realmente acredita, mas que raramente se justifica (a não ser, claro, pela sentença “Eu sou teu PAI!”), acabei por sobrepor essa vontade por puro desdenho. Veja, esse é o problema da verdade: ela tem uma leve tendência a se tornar gravemente absolutista nos menos desprovidos de bom senso.

     Pai de família é uma ova.

     “Ele NÃO manda em mim!”. Palavras estas tão libertadoras, que me deixavam tão feliz em dizer, em roda de amigos, quando pequeno. Impunha meu tamanho físico, minha idade e minha individualidade que não existia, mas que prezava desde então. Juro, juro por tudo que há de mais sacro nesta terra, que o impunha meu ser, a minha verdade e a minha impressão que deles tenho se ao menos tivesse um local pra dormir esta noite. Livros e um teto ao qual retornar às noites; seja lá o que eu fizer depois, é por minha conta. Realmente não precisaria de mais do que 4m² pra me sentir livre e menos angustiado hoje à noite.
     Minutos atrás, o pai, aquele pobre ignorante do qual tenho tanta mágoa nesse momento (minha mãe não fica atrás; ela é, inclusive, meu catalisador nesta reflexão e, aparentemente, foi o dele também), me impôs que pagasse toda a quantia que gastou comigo desde que nasci. Eu daria tudo, tudo, meus dois olhos, um rim, meus braços, os cortaria eu mesmo com uma faca cega e enferrujada se pudesse arrumar esse dinheiro ou quitar esta dívida de alguma forma, divida que não escolhi ter (e que, se pudesse, renegaria), agora. Sentir-me-ia livre desse estado de mente no qual me encontro agora... Seria meu paraíso. E lhos deixar para trás, tudo que precisava, hoje e sempre.

     Is there any hell more than now and real?

     Eu não tenho pra quem ligar e reclamar da vida. Nem como o fazer, é dele o telefone; logo, se eu usar, minha dívida aumenta. (pfff...) Muito menos com quem conversar. Neste começo de ano pretendia me libertar de uns 80% da minha rotina/vida que arrastei por finos trapos até hoje; dependia que quem ajuda por obrigação e não por compaixão. E o que ganhei? Uma porta que me mantém fora, se não os beneficiar de uma forma específica e penosa, e outra fechada com chave de sangue, diante de mim, de forma a, sufocado do lado de dentro, não poder sair, nem mesmo respirar à vontade. Não quero mais. Quero a sensação de liberdade, com todos seus benefícios e malefícios; pacote completo. Estou chegando num limite que está prestes a se tornar trágico – para mim, e só a mim – se eu sentar aqui o dia todo, sem ser. Não posso me permitir chegar a tal ponto.

     - I’m gettin’ outta here! 
     - Where are you goin’?
     - To the other side of morning.

     Em pensar que me idealizava com eles, carregando-os ao mercado, ou à praia, ou sorveteria... Vivendo com eles em minha prosperidade, de forma a me deliciar com a situação, brigar com minha esposa-to-be e correr pra mãe, porque é ótimo ser querido nesses momentos, comprar cigarros ao meu velho; cuidá-los até que o tempo o faça por mim.

     Mas pra mim chega.

Ps.: Não é blefe. Não desta vez.

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