Enjoy yourself - it's later than you think!

Eu perguntava sobre a lua pro meu pai quando era criança. Achava que ele sabia sobre ela, porque eu achava que ele sabia tudo. O mesmo pra minha mãe. Sendo honesto, eu achava que todo mundo sabia tudo, menos eu. E eu me achava burro por não saber, e ficava envergohado. Fui perguntando menos e menos quanto mais a vergonha se tornava óbvia.

Com medo de perguntar, fui deduzindo e concluindo coisas no caminho. O que ajudava é que, ao passo que tinha vergonha de perguntar, não tinha vergonha de procurar. Ler coisas é como ter respostas pra uma pergunta que ninguém sabe que você tem. Servia pra mim.

Logo em seguida, eu começava a explicar pro meu pai sobre coisas que ele nunca perguntou. E saber me fazia bem; sabia que isso fazia com que prestassem atenção em mim. Como um ego insaciável, eu explicava as mesmas coisas pra minha mãe ou qualquer outra pessoa pra quem não tinha explicado ainda porque o ego se satisfazia. Elas não queriam saber. Assim, como toda pessoa com visão limitada acha que é errado quando o outro não vê o mundo igual a você, eu achava feio que as pessoas pensassem diferente de ser curioso. "Como assim, você não tem curiosidade sobre isso?  É incabível a coisa existir e você não querer saber sobre isso".

Crescendo um pouco mais, desmontava as coisas pra saber como funcionavam. Lembro até hoje de um relógio despertador, daqueles redondos com dois sinos em cima e um botão no meio, que desmontei pra ver o que acontecia lá dentro. Nunca mais consegui montar.

Meu irmão contribuía pra minha vergonha. Ele sabia de coisas - ou fingia saber pra me humilhar. Irmão mais velho sempre sabe pegar no nervo. Eu aprendi tudo que ele aprendeu só vendo ele fazer. Ele brincava com eletrônica e queimava meu dedo "sem querer". Eu não ligava porque adorava aquilo, mesmo sem entender nada. Ele instalava sistemas operacionais nos computadores e eu aprendia a fazer de curioso. Não sabia a razão pela qual ele fazia aquilo, mas eu aprendi. Aprendi por osmose. Ele não gostava, tentava me enrolar. Eu admirava ele. Estranho pensar nisso agora.

Enfim, cresci, descolei das pessoas mais próximas. Fui pro mundo e conheci pessoas esquisitas. Eu, como toda criança nerd, cresci um nerd. Meus amigos viam isso e, das duas, uma: ou faziam piadas e me humilhavam, ou pediam favores relacionados a aquilo que eu sabia fazer e entendia.

Cresci mais um pouco. Socializei com filho de ator, com pessoas com banda e os aspirantes a rockstar que toda escola tem. Aprendi a tocar violão por osmose (a não ser que eu especifique o contrário, tudo que eu aprendo é por osmose), mas, como todo nerd, não parei quando aprendi a tocar os cinco acordes do Nirvana ou alguma música do Legião. Não. Eu queria saber música. Comecei a perguntar pra internet como que era esse negócio. Aprendi. Virei um jukebox humano. Explicava teoria que ninguém acompanhava - porque não queriam saber.

Como bom nerd, aprendi a falar inglês por osmose, também. Não tinha internet nem dinheiro pra pagar um professor. Queria tanto saber falar que ficava pensando no quão seria legal ir pra um país que falasse inglês pra eu aprender. Mas a  realidade é que eu aprendi jogando RPG on-line em internet discada roubada que só podia usar de madrugada.

Cresci mais um pouco, fui lapidando o que eu sabia, fui entendendo melhor. Ninguém ainda queria saber. Fui desistindo de explicar. Coletava só minha recompensa diária de ego quando alguém me dizia o quão inteligente eu era, mesmo genuinamente não acreditando nisso. Busco reforço de terceiros desde bem cedo.

Fui fazer filosofia. Aprendi a brigar, aprendi a amar, aprendi a fazer sexo. Aprendi que nem tudo é maravilha e que dá pra sofrer muito na vida. Aprendi sobre meus antepassados e o por que eles pensavam assim. Aprendi que, porque eles pensavam assim, eu e meus contemporâneos pensamos assim também. Mas descobri a masturbação egocêntrica e infrutífera que isso se torna. Essa massa insossa que chamam de intelligentsia é entediante. O assunto é bom, mas é como vinho: pode ser que seja bom tomar, mas todo sommelier é um cu. 

Resolvi voltar à curiosidade. Falando em curiosidade, é curioso saber que o que me deveria deixar sempre mais curioso me fez sentir que eu estava não fazendo nada de construtivo e que eu estava falando superficialmente sobre tudo, mas não tratando de verdade sobre nada. E isso me deixou menos curioso. 

Voltei pro mundo real, fui chutado do ninho. Arranjei emprego com pessoas escrotas, fazendo coisas que eu achei que iria gostar, mas ninguém gosta de trabalhar. Pelo menos é o que me dizem. Não gostava do preconceito e das tradições, da mente fechada. Isso me deixou nervoso. Ali nasce um monstro que vivem dentro de mim que me dizem que não me faz bem. Financiei uma moto e paguei durante 9 meses e me roubaram ela, pra eu deixar de ser tonto.

Resolvi que não era pra mim. Estudei mais um pouco. Três anos. Doeram. Andei muito de moto todo dia pra conseguir um diploma que vai ficar pronto só esse ano. Agora eles me batizaram como um nerd profissional. Eu posso dizer com orgulho que... fiz o que todo mundo faz.

Hoje eu tenho uma profissão. Engenheiro de Software. Analista de Sistemas. Programador. Nerd Profissional. Ganho um bom salário, vivo sozinho, tenho uma namorada que às vezes não percebe que eu não sei de nada, mas que percebo as coisas, mesmo que ela ache que não. Aprendi muito na vida, aprendi coisas que ninguém quer saber, mas que todo mundo precisa. Aprendi que não se consegue o que se espera do mundo só por querer muitão. Aprendi coisas que eu nem sei por que eu sei. Sou um cidadão respeitável, dou pipoca aos macacos no domingo, gasto gasolina pra não enlouquecer e nado quando não estou desmotivado. Tenho um cacto que eu humanizo pra não me sentir só.

Aprendi a ser grosso, aprendi a não deixar ninguém me usar. Aprendi que isso é um super poder. Aprendi que é errado usar toda hora. Aprendi que tenho muito o que aprender.

Mas ainda sinto que não sei nada. Tudo que eu aprendi parece que não tem o valor pra mim tanto quanto tem pros outros. E por isso sigo pedindo validação disso com meus amigos. Trago algumas conversas pra me dizerem implicitamente se eu sou bom mesmo no que faço e que sei o que estou falando. Porque eu não vejo isso. Acho-me feio, burro, bobo, sem graça, velho demais e incapaz de fazer o que faço. Tenho medo de perder o emprego e de dar pulos no escuro.

Não é uma questão de saber, e, sim, convencer os outros sobre o que eu estou falando. Mas eu nunca fui bom em vender ideias. Eu acredito tanto que vou fazer errado que eu não consigo mentir pros meus interlocutores. Eu não confio no que falo. 

Mesmo tendo 25 anos de treinamento mental, 20 de escola, muito treinamento e muito conhecimento, eu não confio em mim. 

Quando é que eu vou ficar bom?

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