Desalmados

     Manhã chuvosa...

     Acordei com um leve pesar. Segunda-feira, aquela mesma odiada por todos. Não é de hoje que eu, precisamente, odeio segundas-feiras. Talvez por serem dias que reforçam a idéia do meu conformismo com o trabalho....

     Tentei dizer bom dia p'ra mim mesmo, em frente ao espelho, mas a noite quente me mostrou um rosto intragável e pálido; pequenas manchas roxas abaixo dos olhos, provenientes do cansaço mal-aproveitado da noite, me fazem parecer muito mais velho do que julgo ser. Acho que não saberia dizer com certeza. No entanto, dentre o pesar misterioso, considero essa odiosa segunda-feira um começo de algo. Obra do destino, me libertei de alguns fantasmas que me amarravam de uma forma incrível. Ainda sinto os efeitos, mas há de ser como o álcool ou qualquer outra droga - durma bem profundamente, acorde com ressaca, vomite um pouco. Tudo resolvido.

     Quando resolveres andar com tuas próprias pernas, e pisares o chão com teu próprio solado, haverás de perceber-te que, quando estiver liso, será impossível de ficares em pé.

     Outro cão a ladrar, à porta - penso que esse lugar é um canil a céu aberto, onde os cães vivem a me farejar. Cães tiram-me o sono e põem-se a festejar minha insônia. Cães me trazem aquelas memórias de infância das quais tanto me alegro ao rever. Fotografias amareladas, eu e meus cães. Cães alheios. Divinos malditos cães, cães noturnos hão de me corroer até os ossos, arrancar-me as roupas e me largar à sargeta de um botequim qualquer, à espera da próxima segunda-feira. 

     Se é que esta chegará.

     Decepções me surgem quando menos espero.