Loin de ce gâchis...


 (...) 
     
     E então sr. Gregório entrou novamente pela porta da frente. Estava vestindo um terno branco de grife, sapatos brancos tão novos e tão elegantes quanto o terno e um chapéu branco daqueles que qualquer um poderia ter comprado, mas que não cairia tão bem quanto o caiu. Todos olharam para ele, alguns olhares tristes, outros aliviados.

     - Vim me despedir - disse com um tom quase bravio.
     - Não digo que vou sentir saudade, - disse o pequeno Eduardo, olhando fixamente nos olhos de Gregório e espremendo com suas mãozinhas o ursinho que ele, seu padrinho de nascimento e quase pai lhe deu, havia  menos de cinco minutos, para compensar a futura ausência, como forma de dizer que estava incomodado - o senhor há de se arrepender - completou, com dor em sua voz.
     - Você não sabe nada da vida, moleque. Um dia você vai ter a mesma impressão que tive. Você saberá pelo que eu passei pra dar a vocês toda essa dignidade.
     Um grito ao fundo surge, e da pessoa menos provável:
     - Nós a tínhamos bem antes de tua alma podre aparecer, cretino! Não somos menos ou mais dignos do que quando entrou por esta mesma porta pedindo-nos a ajuda que precisava! Saia e não volte nunca mais! - bradou em cólera Cristina, que se posicionava atrás da mesa, com as duas mãos nos ombros da vovó, que já tinha os olhos cheios de lágrima.

     Neste mesmo instante, Júlio, que estava encostado à quina da velha estante de livros de dona Serafina, pôs-se a chorar como um bebê. Após alguns segundos com as mãos no rosto, virou-se e subiu as escadas em direção a seu quarto, passos largos que incomodavam; passos de indignação e tristeza. Gregório seguiu-o com os olhos até desaparecer. Ao fundo o batido da porta, e os passos desapareceram. No entanto o homem em seu terno, altivo, não expressou nenhuma reação. Ele sabia o que e o quanto significava para todos ali presentes.

     Era uma tarde de sábado, fim de um dia de uma beleza exuberante, em todos os aspectos. Sem dizer palavra, sr. Gregório caminhou pela mesma porta que havia adentrado a sala, encostando-a levemente atrás de si. Deparou uma rua imunda, com o pôr do sol ao longe. Tinha tudo que precisava: seus pertences em sua mala de mão feita de couro branco, seus documentos e algumas peças de roupa íntima e de higiene; seu novo chapéu, dois charutos reserva além daquele que tragava com tanta vontade naquele momento, para eventuais ocasiões onde um charuto cubano poderia salvar-lhe a pele (como havia acontecido inúmeras vezes); não levava mais do que dezesseis mil réis, um anel no dedo anelar da mão direita, um relógio de bolso dourado e um sorriso no rosto. Sorriso forte, sorriso de um homem livre.

     Foi a última vez que testemunhei a ilustríssima presença de sr. Gregório, de costas, olhando-o pela janela que dava para a rua. O leve brilho do sol projetava-o de um tamanho imenso na parede da sala, e era bem provável que ele assim se sentia. Tenho aquela cena como uma foto em memória. Olhava para o relógio, com um leve desconforto - apesar de tudo, ainda era escravo do tempo.

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